14 de setembro de 2010

Tempo de Leitura: 5 minutos

Reportagem de capa

Por Paiva Junior

Os números são de se duvidar. Não fosse a credibilidade do Center of Disease Control and Prevention (CDC, sigla em inglês para Centro de Controle e Prevenção de Doenças), nos Estados Unidos, a pesquisa poderia ser questionada. Mas não é o caso.

Dizer que, em média, nos Estados Unidos, temos uma criança dentro do espectro autista para cada 110 crianças de oito anos de idade é, no mínimo, alarmante. E estes são dados de 2006. Como é mais comum em meninos, eles apresentam números ainda mais preocupantes (um caso em cada 70 indivíduos), ao passo que meninas têm menor risco (um para 315) – a proporção é de quatro a cinco meninos para uma menina.

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Gráfico de prevalência de autismo nos Estados Unidos pelo CDC, governos dos EUA.
Gráfico da prevalência de autismo nos Estados Unidos.

A pesquisa cita crianças nascendo com autismo, o que sugere que possa haver algum erro em tão precoce diagnóstico (ou suspeita) de transtorno do espectro autista (TEA). O fato, porém, é que o CDC teve o cuidado de analisar crianças com oito anos de idade, para que diminuísse ao máximo a possibilidade de um erro de diagnóstico ou para que não se confundisse com outra síndrome. Aos dois anos de idade, porém, a maioria dos bebês com autismo dão sutis mas visíveis sinais (leia texto do dr. Walter Camargos nesta edição).

Não bastasse o alarmante índice de quase 1% de crianças no espectro autista, o aumento médio foi de 57% (entre 27% e 95%) para os números anteriores, que datam de 2002. Muitos órgãos já citam o autismo como a maior epidemia do planeta e cada pesquisa publicada só vem corroborar com essa afirmação.

A ciência ainda não descobriu a causa do autismo. Herança genética e um gatilho ambiental (leia a respeito da polêmica entre vacina e autismo nesta edição) são hipóteses sendo estudadas, mas ainda não há um resultado conclusivo e definitivo.

Números de 2002

A estatística anterior do CDC é de uma pesquisa de 2002, com igual metodologia e as mesmas dez comunidades participantes. O resultado foi a média de um caso em cada 150 crianças de oito anos. Na divulgação daquela pesquisa, em 2007, a então diretora do CDC, doutora Julie Gerberding, avaliou: “Nossas estimativas estão ficando melhores e mais consistentes, embora não possamos dizer ainda se é um verdadeiro aumento de autismo ou se as mudanças são resultado de melhores estudos nossos”, disse ela, em nota oficial. Na pesquisa de 2006, o índice ficou entre um para 80 e um para 240, com a média de um para 110. Estes estudos não são uma estimativa nacional, mas confirmam que a síndrome e os transtornos globais do desenvolvimento (TGD) são mais comuns atualmente do que se imaginava décadas atrás (leia texto do dr. Schwartzman nesta edição).

Epidemia

Será que podemos considerar que estamos vivendo uma epidemia de autismo no mundo? Uma melhora no diagnóstico não pode ser descartada, mas não há definitivamente um fator único que explique convincentemente tal explosão dos números (leia texto da psicóloga clínica Sabrina Ribeiro, nesta página).

O salto de um caso a cada 2.500 crianças na década de 1990, para o número alarmante de um para 110 liga o alerta vermelho para os especialistas da área. No mundo, segundo a ONU, acredita-se ter mais de 70 milhões de pessoas com autismo, afetando a maneira como esses indivíduos se comunicam e interagem. Na Inglaterra, há estudos de que o número possa ser de uma criança autista a cada 58 nascidos, segundo estudo da Universidade de Cambridge – que anteriormente era de um a cada cem. Importante lembrar também que a síndrome atinge todas as etnias, origens geográficas e classes sociais.

ONU cria Dia Mundial do Autismo

Para alertar o planeta acerca dessa tão séria questão, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou a partir de 2008 o Dia Mundial da Conscientização do Autismo (World Autism Awareness Day), no dia 2 de abril de cada ano, e decretou abril como o mês do autismo no planeta. Para 2010, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, destacou a importância da inclusão social. “Lembremo-nos que cada um de nós pode assumir essa responsabilidade. Vamos nos unir às pessoas com autismo e suas família para uma maior sensibilização e compreensão”, disse ele na mensagem deste ano, mencionando ainda a complexidade do autismo, que precisa de muita pesquisa. Vários monumentos e grandes construções ao redor do mundo se propuseram a iluminar-se de azul (cor definida como símbolo do autismo) para manifestarem-se em favor dessa conscientização naquele dia, como o prédio Empire State, em Nova York (Estados Unidos), e a CN Tower, em Toronto (Canadá).

Um discurso do presidente dos Estados Unidos, no dia 2, lembrou a importância da data: “Temos feito grandes progressos, mas os desafios e as barreiras ainda permanecem para os indivíduos do espectro do autismo e seus entes queridos. É por isso que minha administração tem aplicado os investimentos na pesquisa do autismo, detecção e tratamentos inovadores – desde a intervenção precoce para crianças e os serviços de apoio à família para melhorar o suporte para os adultos autistas”. Barack Obama ainda concluiu: “Com cada nova política para romper essas barreiras, e com cada atitude para novas reformas, nos aproximamos de um mundo livre de discriminação, onde todos possam alcançar seu potencial máximo”.

Realidade brasileira

No Brasil não há estatística a respeito da síndrome, apenas uma estimativa de 2007: quando o país tinha uma população de cerca de 190 milhões de pessoas, havia aproximadamente um milhão de casos de autismo, segundo o Projeto Autismo, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo (USP), portanto um para 190 habitantes (atente-se para a palavra “habitantes”, muito diferente de “crianças de oito anos”, como é a estatística estadunidense) – já seria um número terrível, mas é somente uma estimativa.

É preciso alertar, sobretudo, as autoridades e governantes para a criação de políticas de saúde pública para o tratamento e diagnóstico do autismo, além de apoiar e subsidiar pesquisas na área. Somente a suspeita e o diagnóstico precoces, e conseqüentemente iniciar uma intervenção o quanto antes, pode oferecer mais qualidade de vida e perspectivas às pessoas com autismo, assim como iniciar estatísticas na área para o país ter idéia da dimensão dessa realidade no Brasil. E mudá-la.

A criação de um sistema nacional integrado de atendimento à pessoa autista poderá colocar o Brasil na vanguarda da luta contra o autismo, através de um projeto de lei prestes a tramitar no Senado, com um texto elaborado por diversas entidades ligadas à causa. Se aprovada, a legislação será uma das primeiras no mundo a priorizar o autismo como caso de saúde pública em todo o país, incluindo cadastro, capacitação de profissionais de saúde, criação de centros de atendimento especializado, além da inclusão do autista no grupo das pessoas portadoras de deficiência. O projeto tem o senador Paulo Paim (PT-RS) como relator, que discursou no Senado, no último dia 5 de abril, lembrando o Dia Mundial do Autismo: “O Senado Federal vai cumprir a sua parte na discussão desse assunto tão importante a partir da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Estamos elaborando uma programação para discutirmos – se necessário for, inclusive, em outros Estados –, em audiência, a proposta que já está na CDH. Tenho conversado muito com as entidades ligadas à causa, e elas são unânimes em afirmar que faltam políticas públicas direcionadas ao problema e mais investimentos em pesquisa para, com precisão, diagnosticar a doença de forma precoce”, finalizou Paim.

Ainda não há um consenso entre as autoridades de saúde para se classificar a prevalência de autismo como uma epidemia – uns favoráveis, outros ainda cautelosos. Um fato, porém, é certo: estes números indicam que o autismo é mais comum do que o câncer infantil, o diabetes e a AIDS. No mínimo, é preciso tratar o assunto com mais atenção.

Leia também o texto “Epidemia de autismo?“, de Sabrina Ribeiro.


Francisco Paiva Junior é jornalista e editor-chefe da Revista Autismo.


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